sexta-feira

De Bona - Pintor Brasileiro




Menotti Del Picchia



De Bona, pintor brasileiro, apresenta no Palácio das Arcadas, uma exposição que assinala a presença de um notável artista entre nós. Veio do Paraná, onde iniciou sua formação com Andersen, o patriarca da pintura na terra dos pinheiros. Fez seu noviciado europeu na Itália, tendo entre outros orientadore, Ettore Tito, o mestre luminoso das claras figuras solares.

De Bona é simples, um tanto taciturno, mas agudo de observação e de engenho. Percebe-se que é um artista que meditou e compreendeu que a pintura não é cabotinismo: é um lento e penoso exercício de penetração do espírito das coisas. Há nele todos os elementos do pintor vendável, se quisesse enganar o público com seu virtuosismo. Não lhe falta a facilidade decorativa feita de cores álacres de desenhos retóricos. De Bona, porém, foge às léguas dessa falsa tendência. Recolhe-se pensativo e se tortura nessa busca da verdade íntima das coisas, de substância pictórica, que é feita de uma sensível utilização da matéria, de uma angustiada procura dos ângulos pictóricos que possui a natureza e que somente um verdadeiro artista descobre.

A paisagem, o retrato, a figura, o quadro da composição, tudo é já familiar ao seu pincel. O retrato de J. Turim é uma obra prima do gênero. Há um estranho vigor nessa figura, equilibrada, estruturada, dentro de um forte senso de volume. Nesse setor é digno de nota o estudo de retrato, humilde como realização mas valioso como documento honesto de boa pintura.

O desenho de De Bona acusa seu rigoroso e paciente treino de academia. Com essa sólida base não assustam o artista, as “poses” mais ousadas. Empreitadas técnicas quase sempre com galhardia.

Seu “Nu acadêmico” é já um grande quadro ao qual nada falta da pincelada larga e segura do senho impecável ao ambiente harmônico, tudo pintado com cores limpas acusando uma palheta não restrita às convenções cromáticas desta ou daquela corrente. Em “Críticos Severos” uma salitrada e fresca composição marinha, a impressão larga das figuras, dota-as de um espontâneo dinamismo. O ar circula na praia que o sol doura e a expressão das crianças mirando pasmadas a tela, sustenta um milagre difícil de espontaneidade.

Suas paisagens contêm algumas obras definitivas: Praça S. Marco resolve um problema: o problema de não tornar banal nem transpor para o clássico cromo turístico a grande praça. Há nessa tela incrível segurança na disposição dos planos e na realização da perspectiva. Creio que o “Em Velha Veneza” uma corajosa reconstrução do grupo de antigas casas vistas do alto, dá a medida exta de sua potência pictórica. Nesse quadro e no maravilhoso “Velho Canal” o artista alcança o clímax atual de sua força expressiva. Não cabe aqui, entretanto, um estudo pormenorizado da obra desse brilhantíssimo artista.

Quero apenas relevar a profunda honestidade dessa arte, moderna no melhor sentido, não imbuída no tolo cerebrantismo que infecta e impesta muito da nossa cultura.

Vale a pena ir ao Palacio das Arcadas e ver os quadros que De Bona apresenta. Eles honram sobremodo a atual pintura brasileira.